sexta-feira, 25 de março de 2011

Direito Penal do Inimigo - Günther Jakobs



Antes de abordamos diretamente o pensamento de Jakobs devemos observar em que o autor se inspirou para defender tais idéias.
Sobre Günther Jakobs podemos dizer que o criminalista Alemão é tido como um dos mais brilhantes discípulos de Welzel (autor da teoria finalista que deslocou culpa e dolo da culpabilidade para a tipicidade fazendo que esta possua elementos objetivos e subjetivos). Foi o criador do funcionalismo sistêmico, sustentando que o Direito Penal tem a função principal de tutelar a norma e somente em segundo plano os bens jurídicos em contrariedade ao princípio da ofensividade.

 Günther Jakobs

Jakobs baseia-se em alguns precedentes jusfilosóficos, primeiramente Rosseau, que afirma que qualquer malfeitor que ataque os direitos sociais não faz mais parte da engrenagem Estatal, posto que se encontra em guerra com este, como demonstra a sanção pronunciada contra o malfeitor. O pensamento do filósofo é traduzido com clareza pela expressão “... ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como cidadão” (ROSSEAU, 2008).
O filósofo Kant também demonstra este pensamento, quando em sua obra admite reações "hostis" contra seres humanos que, de modo persistente, se recusassem a participar da vida "comunitário-legal", pois estaria este afastado do Estado e das garantias que este dispõe, não podendo ser considerado uma "pessoa" o indivíduo que ameaça alguém reiteradamente.
Vale colocar aqui palavras do próprio Jakobs:

Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não ‘deve’ tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas (JAKOBS, 2005, p.42, grifo nosso).

O autor já prevendo as possíveis críticas continua:

Portanto, seria completamente errôneo demonizar aquilo que aqui se tem denominado Direito penal do inimigo. Com isso não se pode resolver o problema de como tratar os indivíduos que não permitem sua inclusão em uma constituição cidadã. Como já se tem indicado, Kant exige a separação deles, cujo significado é de que deve haver proteção frente aos inimigos (JAKOBS, 2005, p.42) 

Do ponto de vista de tais filósofos podemos concluir que o Estado é um acordo de indivíduos, como um contrato, e a quebra deste se daria por determinadas atitudes do cidadão, o delito seria uma transgressão contratual, o que o tornaria um inimigo, perdendo as garantias que  outrora possuía.
Ainda citando os antigos pensadores, podemos observar Platão, que em seus Diálogos, faz referencia ao “inimigo” de forma implícita, ao aduzir que Zeus quando incumbira Hermes de distribuir a justiça e a moral entre os homens da terra, deixou evidente que todo homem que não participasse da moral e da justiça deveria ser eliminado como se fosse uma doença.
Vemos então que o chamado Direito Penal do Inimigo não é um Direito propriamente dito e sim um “não” Direito uma vez que o cidadão perde suas garantias individuais.
Como bem mencionado por Eduardo Luiz Santos Cabette e Eduardo Camargo Loberto, embora Rosseau tenha proposto ao inimigo um tratamento diferenciado, não foi tão amplo como Jakobs em sua teoria, sendo que aquele se restringe a limites de guerra formalmente declarada, e Jakobs (apesar de não admitir que sua proposta seja mais ampla) admite essa aplicação até mesmo fora do estado de guerra, ou seja, fora de um Estado de Exceção, bastando a periculosidade do agente. (CABETTE; LOBERTO, disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11142> artigo elaborado em 03/2010)
A expressão Direito Penal do Inimigo foi utilizada por Jakobs pela primeira vez em 1985, mas seu desenvolvimento teórico e filosófico somente foi levado a cabo a partir da década de 1990.
Jakobs contrapõe duas tendências opostas no Direito Penal, as quais convivem no mesmo plano jurídico, embora sem uma distinção absolutamente pura: o Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal do Cidadão. Ao primeiro, cumpre a tarefa de garantir a vigência da norma como expressão de uma determinada sociedade (prevenção geral positiva). Ao outro, cabe a missão de eliminar perigos.
O Direito Penal do Inimigo nada mais é que um Direito Penal do Autor e três são as características do Direito Penal do Inimigo: 1-Um adiantamento do “jus puniendi”, ou seja, uma punição de atos preparatórios do crime, fatos antecedentes a lesão do bem jurídico um adiantamento da intervenção estatal no “iter criminis” 2-As penas cominadas são extremamente severas e desproporcionais até mesmo para os crimes obstáculo 3-As garantias processuais são relativizadas e muitas vezes suprimidas.
No campo processual podemos destacar:

1) a prisão cautelar, medida utilizada no curso de um processo, funda-se no combate a um perigo (de fuga, de cometimento de outros crimes, de alteração das provas etc.), não sendo considerada uma restrição a liberdade de caráter excepcional, em muitos casos tornando-se excepcional a sua não utilização.
2) medidas processuais restritivas de liberdades fundamentais, como a interceptação das comunicações telefônicas, tais medidas são realizadas de forma rápida e pouco burocrática, tornando quebras de sigilos cotidianas no curso da investigação
3) possibilidade de decretação da incomunicabilidade de presos perigosos etc. 
Como bem menciona um dos mais brilhantes penalistas da atualidade E. Raúl Zaffaroni:

[...] a essência do tratamento diferenciado que se atribui ao inimigo consiste em que o Direito lhe nega sua condição de pessoa. Ele só é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou daninho. Por mais que a idéia seja matizada, quando se propõe estabelecer a distinção entre cidadãos (pessoa) e inimigos (não pessoa) faz-se referencia a seres humanos que são privados a certos Direitos individuais, motivo pelo qual deixaram de ser considerados pessoas [...]. (ZAFFARONI, 2007, p.18 )

Para Jakobs, inimigo é todo aquele que reincide persistentemente na prática de delitos ou que comete crimes que ponham em risco a própria existência do Estado, ou seja, o agente considerado perigoso simplesmente, aquele que não consegue provar ao Poder Público que sua liberdade não é um risco.
 Em relação ao conceito de inimigo, Jakobs explica este status de inimigo da seguinte maneira: “aquele que pretende ser tratado como pessoa deve dar em troca uma garantia cognitiva de que vai se comportar como pessoa. Se não existir essa garantia ou se ela for expressamente negada, o direito penal passa a ser uma reação da sociedade ante o ato de um de seus membros para ser uma reação contra um inimigo. Isso há de implicar que tudo está permitido, a incluir uma ação desmedida". (JAKOBS, 2003, p.138)
Podemos sustentar que os paradigmas preconizados pelo Direito penal do Inimigo mostram aos seus inimigos toda incompetência estatal ao reagir com irracionalidade diferenciando o cidadão normal do outro. 
O fato é que as intenções  de Jakobs foram as mais nobres possíveis, quis o autor  atentar para a invasão de leis antigarantistas aos ordenamentos jurídicos mundiais, leis as quais vieram para restringir Direitos fundamentais que foram objetos de séculos de lutas.
Porém, as soluções para estes problemas não foram bem aceitas pela doutrina de modo geral,  a contenção de um “mal maior” não poderá ser feita através de um “mal menor”, afirmando que se a expansão de um modelo autoritário não tem sido contida por uma manifestação em seu sentido contrário, de maneira alguma ceder terreno irá solucionar o problema.
Outro impecílio que encontramos para a teoria é o fato de não existir um "inimigo" determinado, ou seja, quem terá suas garantias suprimidas ? quem decidirá a identidade do inimigo ? Hitller na Alemanha deixou bem claro que seus inimigos sem Direitos Fundamentais eram os judeus, o senador americano Joseph McCarthy decidiu perseguir os comunistas (período que ficou conhecido como "terror vermelho" ou macarthismo), entre outros tantos exemplos desastrosos da presença do inimigo na história.
 
Para finalizar gostaria de citar uma frase de José Saramago que permite uma reflexão:
"Se não somos capazes de viver inteiramente como pessoas, ao menos façamos de tudo para não viver inteiramente como animais." 


Bibliografia
JAKOBS, Günter; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo. Madrid: Civitas, 2005.
CABETTE, Eduardo Luis Santos, LOBERTO, Eduardo de Camargo. O Direito penal do inimigo. Mar/ 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11142> Acesso em 12 jun. 2010.

PLATÒN. Diálogos I. Madri: Gredos, 1985. 

CABETTE, Eduardo Luis Santos, LOBERTO, Eduardo de Camargo. O Direito penal do inimigo. Mar/ 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11142> Acesso em 12 jun. 2010.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl.O inimigo do Direito PenalTrad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

ROSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político. Trad. Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2008.

Um comentário:

  1. A evolução do Constitucionalismo, a passagem pelo Wellfare State nos EUA, o Estado do Bem estar Social, no Brasil, somando-se à recordação das atrocidades cometidas nas Guerras Mundiais, em especial as resultantes do Nazi-Fascismo, não guardam ambiência para a instalação das ideias de Jackobs, principalmente, pelo risco de se não saber ao certo, quem é o inimigo. Cordialmente. Professor Eduardo Freire.

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