quinta-feira, 17 de março de 2011

Abolicionismo penal

           

            Após exposição da chamada "tolerância zero"  do sistema Norte Americano vamos analisar a teoria que considero ser a maior antagônica do pensamento Estadunidense. 
            Para explicarmos tal linha de pensamento, precisamos primeiramente  atentar para as funções cominadas a pena, o artigo 1º da lei de execuções penais (Lei número 7.210/84) traz o seguinte texto:

Art. 1º - A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Podemos concluir assim, que alem do caráter retributivo (repreensão pela conduta), preventivo (que este infrator não volte a delinqüir, ou que outro agente, baseando-se na punição deste, também não queira cometer alguma conduta delituosa), tem também o caráter ressocializador.
Sabemos que o Direito Penal é notoriamente um dos principais ramos do ordenamento jurídico, e como bem cita o Mestre Rogério Grecco, tal ramo do Direito é o que mais necessita da atenção do Estado, uma vez que, por meio de suas sanções se coloca em jogo a liberdade de um indivíduo.
Ainda no pensamento de Greco:

Também não podemos negar a crueldade do Direito Penal (aqui entendido mais como sistema penal), o pavor que, como regra geral, causa naqueles que caem em suas garras.” (GRECO, 2010, p.6)

Parte daqui a crítica do abolicionista, uma vez que, nem de longe, podemos considerar que a função penal ressocializadora está sendo cumprida.
As sanções penais encontram em princípios constitucionais seus limites, porem inúmeras vezes tais princípios são desrespeitados, deixando cada vez mais claro a tendência Brasileira em substituir o Estado Social pelo Estado Penal.
Podemos citar como uma regra constitucional ignorada, a do artigo 5º inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil que estipula que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, basta observar a execução da pena privativa de liberdade, que na prática caracteriza pena infamante, cruel e desumana, visto que atenta contra a dignidade da pessoa encarcerada, ferindo inclusive os princípios elementares de justiça de um Estado Democrático de Direito, a prisão por si só causa dores, sofrimentos físicos e psicológicos nefastos e irreparáveis ao ser humano.
Ainda na linha de raciocínio que motivou grandes doutrinadores a aderirem ao abolicionismo penal, temos as chamadas cifras negras, que representam a porcentagem de infrações penais que não chegam ao conhecimento das autoridades, ou quando chegam não são investigadas ou quando investigadas não são solucionadas.
Essas chamadas cifras negras acabam por selecionar quais infrações serão punidas efetivamente, o que gera uma incredibilidade no sistema penal.
Como bem disserta Rogério Greco em sua obra:

A crueldade do direito penal, a sua natureza seletiva, a incapacidade de cumprir as funções atribuídas às penas (reprovação e prevenção), a característica extremamente estigmatizante, a cifra negra, a seleção do que deve ou não ser considerado como infração penal, bem como a possibilidade dos cidadãos resolverem, por meio dos outros ramos do ordenamento jurídico (civil, administrativo e etc), os seus conflitos interindividuais levaram um grupo de autores a raciocinar, definitivamente, com a tese abolicionista. (GRECO, 2010 p.8)

Podemos destacar o pensamento de Zaffaroni, Slokar, Alagia e Nilo Batista:

O abolicionismo é um movimento impulsionado por autores do norte da Europa, embora com considerável repercussão no Canadá, Estados Unidos e na América Latina. Partindo da deslegitimação do poder punitivo e de sua incapacidade para resolver conflitos, postula o desaparecimento do sistema penal o desaparecimento do sistema penal e sua substituição por modelos de solução de conflitos alternativos, preferentemente informais. Seus mentores partem de diversas bases ideológicas, podendo ser assinalada de modo prevalentemente a fenomenológica de Louk Hulsman, a marxista, da primeira fase de Thomas Mathiensen, a fenomenológico-histórica, de Nils Christie e, embora não tenha formalmente integrado o movimento, não parece temerário incluir neste a estruturalista, de Michel Foucault. (BATISTA, ZAFFARONI, SLOKAR, ALAGIA, 2003, p. 648)

Na concepção de Rogério Greco, tais autores são sem dúvida comprometidos com a dignidade da pessoa humana e chegaram a tal raciocínio diante da irracionalidade do sistema penal. De um lado temos infrações de bagatela sendo punidas severamente, de outro temos crimes de colarinho branco passando impunes, são exemplos claros da injustiça do sistema. E, ainda, incriminar ou não incriminar? O que faz um fato ser crime em determinada época ou lugar enquanto em outro não passa de uma situação corriqueira?
Erika Juliana Dmitruk bem assevera em seu artigo científico:

Hulsman (1993) convida a fazer um pequeno exercício antes de taxar a proposta abolicionista como utópica. Em primeiro lugar deve-se examinar a situação de um homem, desempregado, solteiro, sem profissão definida, que comete um furto. Qual resposta se exige? E se se pensar em um homem, chefe de família com três filhos? A resposta seria a mesma? E se esse homem fosse um irmão ou parente? Bom, depois desse primeiro momento, devem-se examinar as pessoas que compõem o sistema penal, policiais, promotores, juízes, carcereiros. Eles têm características definidas? Trabalham em conjunto? O trabalho de um auxilia o trabalho dos demais? Se se imaginar agora que, após o bom trabalho de todos esses profissionais, o homem acima seja condenado e preso. Que conseqüências esse fato gerará em sua vida? Ele se tornará um homem melhor? Arrepender-se-á do crime cometido? Voltará ressocializado para a sociedade? (DMITRUK, 2006, p.63)
                  
A crítica abolicionista se inicia desde o momento do nascimento da norma, questionando-se os critérios, quem sofrerá suas sanções e qual a real necessidade de se proibir aquela conduta, em um momento posterior se questiona qual destas condutas será realmente investigada e até mesmo quais serão efetivamente punidas.
Para o abolicionista, já que o sistema não é capaz de cumprir seus objetivos e nem tão pouco é racional, este deve ser desfeito, propondo assim meios alternativos de solução de conflitos através de outros ramos do Direito, respeitando assim o Princípio da dignidade da pessoa humana.
Em alguns países, vislumbramos a presença do chamado Direito sancionador que serve para julgar crimes que podem sair da seara penal aquilo que não lhe corresponde, é uma espécie de sanção na esfera administrativa imposta apenas pelo juiz. No Brasil temos como exemplo, de tal instituto, a lei de improbidade administrativa, no tocante ao pensamento abolicionista, seria viável substituir todo o sistema penal por medidas alternativas como o Direito sancionador?  
A nosso ver, não, por mais honroso que seja o pensamento abolicionista, seus próprios seguidores não encontram alternativas para determinadas situações, a não ser a aplicação do Direito Penal, como deixar nas mãos do Direito Civil um caso de latrocínio?
Thomas Mathiesen abolicionista convicto admite tal impossibilidade em sua obra:

Temos que admitir, talvez, a possibilidade de se encarcerar alguns indivíduos permaneça. A forma de se tratar deles deveria ser completamente diferente do que acontece hoje em nossas prisões. Uma forma disto ser assegurado, contra o aumento de seu número devido a uma mudança de critérios, seria estabelecer um limite absoluto para o número de celas fechadas para tais pessoas a ser aceito em nossa sociedade (MATHIENSEN, 1997, p.227)



BIBLIOGRAFIA:

BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.Direito penal brasileiro, Rio de Janeiro: Revan, 2003, v. I

MATHIENSEN, Thomas. A Caminho do século XXI – Abolição, um sonho possível? – Conversações abolicionistas. São Paulo: IBCCRIM, 1997, v.4.



GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio – Uma Visão Minimalista do Direito Penal. 5ed. Niterói: Impetus, 2010.



DMITRUK, Érika Juliana. Que é o Abolicionismo Penal?. In: Revista Jurídica da UniFil, Ano III - nº 3. Londrina: Centro Universitário Filadélfia, 2006,  p.63.

Nenhum comentário:

Postar um comentário