terça-feira, 22 de março de 2011

Crimes do colarinho branco - "Lavagem" de dinheiro (Lei 9613/98)

  

Tom DeLay
Em outubro de 2005, um município do Texas acusou o deputado Tom DeLay de lavagem de dinheiro e de conspiração para violar leis eleitorais. A acusação de conspiração foi arquivada mais tarde, e desde maio de 2006 o caso aguarda a data para o julgamento. No Texas, candidatos a deputado não podem receber doações de empresas para a campanha, proposta que tem sido discutido pelo Congresso Nacional no Brasil. A promotoria alega que DeLay participou de um suposto esquema para violar esta lei e esconder as origens corporativas do dinheiro que acabou nas mãos de candidatos republicanos no Texas. O suposto esquema de lavagem envolvia o envio de doações de empresas do Texas para a sede do Comitê Nacional Republicano em Washington, que mandava o dinheiro de volta para o Texas para ser usado na campanha. Dois assessores de DeLay e seu principal contribuinte de campanha já confessaram serem culpados em dois inquéritos separados para crimes de conspiração; de fraude fiscal, de correspondência, de transferência bancária e de corrupção de funcionários públicos.


    O caso do deputado foi apenas 1 dos muitos casos famosos de "lavagem" de dinheiro, porem são muitos os casos em que o crime passa despercebido, o crescimento dos mercados financeiros e o sistema neoliberal da economia mundial tornam a "lavagem" de dinheiro mais fácil do que nunca, países com leis de sigilo bancário são diretamente ligados a países cujas leis obrigam a declaração, tornando possível depositar dinheiro "sujo" anonimamente em um país e então transferi-lo para ser usado em outro país.
  Podemos conceituar a "lavagem" de dinheiro como conjunto complexo de operações, integrado pelas fases de placement (conversão), layering (dissimulação) e integration (integração) de bens, direitos e valores obtidos direta ou indiretamente através de conduta criminosa, com a finalidade de mascarar a origem dos ativos, o agente pretende assim garantir sua impunidade e poder gastar livremente o dinheiro "sujo".
   No Brasil a "lavagem" de dinheiro é tipificada pela lei 9613/98, referida lei será objeto de estudo no presente artigo:
   Irei começar pelo bem jurídico tutelado pela norma, aqui encontramos uma divergência doutrinária:
--> Primeira posição: Tutela-se a administração da justiça, ou seja, o interesse do Estado em punir o crime antecedente.
--> Segunda posição: Tutela-se a ordem  socio-econômica, no sentido de prevenir danos ao sistema econômico financeiro nacional. Corrente majoritária na doutrina.
--> Terceira posição: Tutela-se  o mesmo bem jurídico do crime antecedente, não possui bem jurídico próprio.

   Agora vamos analisar as fases da "lavagem" de dinheiro (divisão doutrinária para melhor entendimento da operação criminosa, porem não é necessário que se efetive as 3 fases para consumar-se o crime) :
----> Fase de placement (colocação) ou conversão: nesta etapa o criminoso coloca o dinheiro sujo em uma instituição legítima, aqui ocorre a separação física do criminoso em relação ao dinheiro.
----> Fase de layering (dissimulação) ou cobertura: nesta fase os valores obtidos criminosamente que foram introduzidos no mercado financeiro na etapa anterior, passam a ser diluídos em incontáveis canais, é o envio do dinheiro através de várias transações financeiras para mudar seu formato e dificultar o rastreamento.
----> Fase de integration (integração) ou reinversão: caracteriza-se pelo emprego de artigos criminosos no sistema produtivo, o que ocorre normalmente através da criação, aquisição ou investimentos em negócios LICÍTOS. Alguns doutrinadores dizem que essa fase já não pertence propriamente a "lavagem" de dinheiro, pois os valores já estão "limpos".



   Passamos neste momento para a analise da natureza jurídica do crime em questão.
   Trata-se de um tipo penal diferido, acessório ou parasitário (nas palavras do mestre Nelson Hungria), pressupõe um crime antecedente para sua existência.
   Embora acessório, o crime de "lavagem" de dinheiro possui autonomia em relação ao crime antecedente, isto é, ainda que ignorada autoria ou inimputáveis os autores do crime antecedente,  pode haver condenação por "lavagem" de dinheiro, caso haja absolvição  do autor do crime antecedente devemos analisar o fundamento de tal decisão absolutória, se a absolvição do crime anterior se referir a inexistência ou atipicidade do fato (artigo 386 I e II), não há que se falar em "lavagem de dinheiro", nas demais hipóteses de absolvição a "lavagem" pode subsistir.
   Para finalizar o raciocínio quanto a natureza jurídica podemos dizer que para haver condenação por "lavagem" de dinheiro basta haver razoável certeza da existência de crime anterior, ainda que de modo indiciário, segundo consta no artigo 2 II da lei:
   Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
  II - independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país;
   Quando surgiu a tipificação do crime de "lavagem" de dinheiro era especificamente para combater a renda proveniente do tráfico ilícito de drogas, sendo assim só era "lavagem" de dinheiro quando os ativos provinham de tal conduta, é o que parte da doutrina chama de primeira geração de leis sobre o crime de "lavagem" de dinheiro.
   A chamada segunda geração ampliou o rol de crimes antecedentes, estipulando de forma taxativa ( numeros clausus ).
   A terceira geração de leis percebendo a ineficácia de se restringir o número de crimes antecedentes, passou a considerar qualquer crime como pressuposto da "lavagem" de dinheiro.
   Infelizmente a legislação Brasileira ainda está na segunda geração, pois o rol de crimes antecedentes na lei 9613/98 é taxativo, ficando de fora crimes como os contra a ordem tributária, contra a economia popular, jogo do bixo, receptação entre outros.
   Vejamos a relação de crimes pressupostos:
1 Tráfico ilícito de entorpecentes
2 Terrorismo e seu financiamento: existe uma grande discussão acerca do que seria o crime de terrorismo no Brasil, parte da doutrina diz que o crime está tipificado no artigo 20 da lei 7170/83 (lei de segurança nacional)
3 Contrabando, tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção.
4 Extorsão mediante seqüestro (artigo 159 CP)
5 Crimes contra Administração Pública: Tem prevalecido na doutrina de que será crime antecedente todo crime contra a Administração Pública, inclusive os definidos como contra a Administração da Justiça e os previstos em lei especiais, por exemplo os tipificados na lei de licitações.
6 Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: São os definidos na lei 7492/86. 
   Aqui fica a dúvida, e os crimes previstos na lei 6385/76, isto é, artigos 27-C (Manipulação de Mercado) 27-D (Informação Privilegiada) e 27-E (Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função) ? 
    Embora não exista jurisprudência sobre o tema, a lei 6385 tutela o mercado de capitais que é um segmento do Sistema Nacional Financeiro, de modo que pode ser considerado como antecedente do crime de "lavagem" de dinheiro, é o entendimento do professor Rodrigo De Grandis.
7 Crime praticado por Organização Criminosa: Embora haja discussão acerca da  terminologia "organização criminosa", tem prevalecido no STJ o entendimento de que o termo possui definição no artigo 2 da convenção de Palermo (Decreto 5015/2004), ou seja: grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;
8 Crime praticado por particular contra a Administração Pública Estrangeira (artigo 337-B e 337-C CP)

   Quanto ao sujeito ativo o crime de "lavagem" é comum, pode ser praticado por qualquer pessoa, até mesmo pelo autor do crime antecedente, hipótese em que haverá concurso material de crimes.
   A competência para se julgar o crime em tela é em regra da Justiça Estadual, exceto em 3 hipóteses: quando os crimes previstos na lei forem praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; quando os crimes previstos na lei forem praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal. 
   Questão processual importante de se destacar é a não aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal, ou seja, se o réu citado por edital não comparecer, será este julgado a revelia, sendo assim o juiz nomeará um defensor e o processo seguirá normalmente (artigo 2º    § 2º da lei 9613/98).
   Para finalizar, é de suma importância salientar que a lei de "lavagem" prevê 2 peculiaridades no que diz respeito a apreensão de bens e valores, são elas:
----> As medidas assecuratórias serão levantadas se a ação penal não for iniciada no prazo de 120 dias contados da data em que ficar concluída a diligência.
----> Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o comparecimento PESSOAL do acusado.
    

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