segunda-feira, 18 de abril de 2011

LEX TERTIA

     

    Primeiramente é de suma importância invocar o código penal que em seu artigo 1º traz o princípio da anterioridade da lei penal, segundo o qual a lei que cria crime e estabelece pena deve ser anterior a conduta que pretende repreender, tal princípio também encontra respaldo constitucional no artigo 5º XXXIX.

Art. 1º do CP - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. 

Art. 5º  XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

    Em uma prévia observação podemos acrescentar que alguns autores usam o princípio da legalidade como gênero que possui 2 espécies, reserva legal e anterioridade, mas aqui trataremos reserva legal como sinônimo de legalidade.
    
    Diante da analise de tal princípio podemos constatar que a regra no direito penal é a do "tempus regit actum", aplicação da lei vigente a época do fato, concluindo-se assim que a lei penal é irretroativa. Porém a Constituição da República trouxe a única exceção em seu artigo 5º XL:

Art. 5 º XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; 

    Sendo assim encontramos duas situações de lei penal retroativa:

----> Abolitio criminis
---->Novatio legis in mellius

    Para nós cabe a analise da segunda espécie, a chamada "novatio legis in mellius", ou seja, uma nova lei que de alguma forma beneficie o réu, como por exemplo uma nova atenuante.

    Depois das considerações preliminares vamos a chamada  "LEX TERTIA", que é uma lei mista, formada a partir de outras 2 leis, tal fenômeno ocorre quando uma nova lei surge no ordenamento com aspectos que prejudicam e outros que beneficiam o réu, como por exemplo na nova lei de drogas:


Lei 6368 de 1976 (lei antiga): 
 Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.


Lei 11343 de 2006 (lei nova):
Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: 

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Podemos observar que a lei nova trouxe uma pena maior para as mesmas condutas descritas na lei anterior, diante de tal premissa podemos concluir que a lei 11343 de 2006 não será aplicada ao agente que praticou uma das condutas descritas na vigência da lei 6368 de 1976, porém a lei nova trouxe uma causa de diminuição que não constava do texto antigo, sendo esse um aspecto favorável ao réu, desde que este seja primário de bons antecedentes que não se dedique à atividade criminosa nem integre ORCRIM (abreviatura utilizada pela doutrina).

Para aqueles que admitem a aplicação da lex tertia a solução é aplicar a pena da lei antiga porém utilizando a causa de diminuição da lei nova.

Outro exemplo está no código de processo penal, aqui o exemplo envolve uma norma híbrida, de direito processual material, estamos falando do artigo 366 do CPP (alterado pela lei 9271 de 1996):


Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312


   A lei antiga não trazia a previsão da suspensão do prazo prescricional (vantagem para o réu) e nem do processo sendo o acusado julgado a revelia (prejuízo ao réu), portanto a lei nova trouxe aspecto bom e aspecto ruim para o réu, para os defensores da lex tertia a solução nesse caso é suspender o processo mas não suspender o prazo prescricional. Vale ressaltar que nesse caso temos o caráter penal material (suspensão da prescrição) e o caráter processual penal (suspensão do processo), sendo assim, a jurisprudência tem entendido que prevalece o aspecto penal material, se este for benéfico retroagirá a lei toda, se este for prejudicial não se aplica a lei toda, nesse caso então o réu que foi citado por edital antes de 1996 e não compareceu será julgado a revelia, afastando a aplicação da lex tertia. 

       Diferente da lei de drogas que tanto o aspecto prejudicial quanto o benéfico são de caráter penal material, e o Supremo tem entendido pela aplicação da teoria abordada (veremos ao final).

       Os críticos da lex tertia dizem que tal teoria não poderá ser aplicada devido a sua inconstitucionalidade, estaria o magistrado usurpando de suas funções invadindo o campo do legislativo, criando uma nova lei, e isso fere o princípio da separação dos três poderes.
   Ainda nesse sentido, seria contrário a sistemática de uma norma "cortá-la" para inseri-la no contexto de outra, isto é, quando um dispositivo está presente em uma lei ele deve ser interpretado em conjunto com ela.

      Já os defensores da lex tertia rebatem dizendo que o juiz não está legislando pois as leis aplicadas foram editadas pelo próprio legislativo, não estria ele criando uma nova lei, além do mais, o juiz deve julgar com eqüidade, isto é, distribuir a melhor justiça para o caso concreto. 
      Para finalizar o exposto gostaria de colocar duas decisões sobre o tema:


AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de Liberdade. Prisão. Causa de diminuição no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76, e já definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado “pequeno traficante”. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido. Voto vencido da Min. Ellen Graice, Relatora original. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. a causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76. (HC nº 95435, Relator(a): Min. ELLEN GRAICE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CESAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21/10/2008, DJe.211 DIVULG 06-11-2008 PUBLIC 07-11-2008 EMENT VOL-02340-04 PP-00691 RT v. 98, n. 880, 2009, p. 479-487).


EMENTAS: 1. AÇÃO PENAL. Condenação. Sentença condenatória. Pena. Individualização. Crime de guarda de substância entorpecente. Delito de mera conduta. Circunstâncias judiciais favoráveis. Quantidade de droga. Elevação da pena-base. Fixação no triplo do mínimo legal. Abuso do poder discricionário do magistrado. Capítulo da sentença anulado. Precedente. Inteligência do art. 59 do CP. No caso de crime de guarda de substância entorpecente, o qual é de mera conduta, não pode a pena-base ser fixada no triplo do mínimo pela só quantidade da droga apreendida. 2. AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de liberdade. Prisão. Causa de diminuição prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76, e já definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado “pequeno traficante”. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76. (HC 97992, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009, DJe-195 DIVULG 15-10-2009 PUBLIC 16-10-2009 EMENT VOL-02378-03 PP-00477).

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