quinta-feira, 28 de abril de 2011

Direito Penal Mínimo




O chamado Direito Penal mínimo é uma vertente intermediária do abolicionismo penal e o movimento da lei e ordem.
Podemos dizer que o Direito Penal mínimo se baseia em alguns princípios como bem preconiza Greco em sua obra, os principais deles são: princípio da dignidade da pessoa humana, da intervenção mínima, da lesividade, da adequação social, da proporcionalidade, da culpabilidade e da legalidade (GRECO, 2010).

Tais princípios podem ser explicados da seguinte forma:

a) Princípio da dignidade da pessoa humana
É de extrema importância começar tal análise transcrevendo o artigo primeiro de nossa lei maior:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Podemos observar que o artigo preceitua que o Estado Democrático de Direito possui alguns fundamentos expressos e numerados, entretanto não exaustivos, pois existem outros presentes inclusive na própria constituição.

Nem sempre se vislumbrou na sociedade o chamado Estado Democrático de Direito, esta na verdade foi uma conquista de anos de luta do povo contra os soberanos, na idade média por volta do século XVII, por exemplo, absurdos foram cometidos durante a Santa Inquisição. Pessoas eram condenadas sumariamente, pelo simples fato de “atentarem” contra a Igreja Católica e o Direito Canônico, uma conduta vaga  em que o dono do poder poderia encaixar o fato que achasse conveniente. O réu muitas vezes não sabia nem sequer o motivo pelo qual estava sendo condenado, o processo era realizado sem ampla defesa e sem contraditório, o sistema processual era o denominado inquisitivo, onde não havia a separação de funções processuais de defesa, acusação e julgamento, todas eram concentradas nas mãos de uma só pessoa, o juiz inquisitor.

Naquela época não se pensava em um Estado Democrático de Direito, não se falava em direitos fundamentais da pessoa humana, o soberano dono do poder era quem decidia sem limites o que iria ou não ser considerado um “crime”.

Apenas em 1215 com a Magna Carta cujo nome completo é Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês), do Rei João sem terra (o qual foi coroado Rei da Inglaterra após ausência de seu irmão Ricardo coração de leão que viajou para batalhar na terceira cruzada) é que foram concedidos Direitos aos cidadãos, diga-se de passagem quase que exclusivamente aos nobres, freando o exacerbado punitivismo Estatal.

Com o passar do tempo, com a chegada das idéias iluministas, o povo passou a se manifestar contra a concentração do poder nas mãos de uma só pessoa, assim o chamado terceiro estado se rebelou contra a minoria que detinha o poder, originando a Revolução Francesa no ano de 1789.                                    
                                                                                                                                                                                                                                  
Após a Revolução Francesa temos o período que marca o nascimento do constitucionalismo, o objetivo era fornecer constituições escritas aos Estados, as primeiras constituições escritas foram a dos EUA em 1787 e a Francesa em 1789.

Outra importante conseqüência das revoluções liberais foi o surgimento do Estado de Direito, onde preceituava-se que tanto os governados quanto os governantes deveriam agir dentre os limites legais.

Todavia a idéia foi desvirtuada em muitos momentos históricos, como na Segunda Guerra Mundial, quando vários Judeus foram brutalmente assassinados sem qualquer possibilidade de defesa, era o chamado positivismo (denominado por Jakobs como  funcionalismo sistêmico) , onde pregava-se total obediência a lei, ficava claro que o Estado mais uma vez procurava um inimigo e que no caso eram os Judeus.

Assim, apenas após a Segunda Guerra Mundial é que se passou a falar em Estado Democrático de Direito, onde preconizava-se que os governantes deveriam obedecer as normas e que estas deveriam estar em acordo com os valores da igualdade, liberdade e, principalmente, a dignidade da pessoa humana.


b) Princípio da intervenção mínima
É o princípio que podemos considerar como alma do Direito penal mínimo, aqui se preconiza o sistema penal como “ultima ratio” do Direito, ou seja, o Direito penal só entrará em cena quando os outros ramos do Direito não forem suficientes para a resolução do conflito.

Tal princípio serviria de norteador ao legislador no momento de criar as normas como no momento de revogá-las, a pergunta principal seria, determinado bem jurídico é tão importante a ponto de receber a tutela penal?

Nessa análise podemos também podemos vislumbrar o princípio da ofensividade, ou seja, quando não houver bem jurídico a ser tutelado, não há que se falar em tutela penal, haverá necessidade de uma ameaça concreta de lesão para que entre em ação a repressão penal estatal.

Necessário se faz colocar aqui, também o princípio da insignificância, pois de nada adiantaria aplicar a intervenção mínima apenas no âmbito formal e ignorá-la no caso concreto.

Então devemos fazer uma nova pergunta, havendo uma norma penal protegendo determinado bem jurídico, no caso concreto tal conduta estaria realmente ofendendo tal bem jurídico? Ou seja, apesar de se encaixar na norma penal, tal conduta apresenta risco efetivo ao bem jurídico tutelado pelo legislador? Se a resposta for negativa não se faz necessária a intervenção penal, tornando o fato atípico.
                  
c)Princípio da lesividade
Vislumbramos aqui a necessidade de a norma penal proibir condutas que afetem o bem jurídico de terceiros, ou seja, não poderia o Direito penal entrar na esfera  individual de cada cidadão.

Podemos dizer que a Direito penal não poderia criminalizar, por exemplo, um cidadão que resolvesse viver como mendigo, não cortar o cabelo ou não tomar banho. Deve-se analisar no caso concreto se esta atitude atinge bens jurídicos de terceiros.

d)Princípio da adequação social                  
Aqui analisamos o fenômeno sociológico, ou seja, se uma conduta é perfeitamente tolerada pela sociedade no seu dia-a-dia, seria irracional proibi-la, ainda mais invocando o sistema repressor pátrio de maior violência que é o Direito penal, o que na prática apenas aumentaria a “cifra negra” desacreditando o sistema judiciário como um todo.                       

e)Princípio da proporcionalidade
Podemos vislumbrar neste princípio, que as sanções criminais devem ser proporcionais a gravidade dos delitos praticados, também é denominado doutrinariamente como princípio da vedação de arbítrio.

Como bem assevera Beccaria em sua obra:
[...] para que a pena não seja a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei (BECCARIA,  1999, p.139)
                        
Tal avaliação deve ser feita tanto no âmbito formal pelo legislador como pelo juiz na análise do caso concreto. Trata-se de um dos pilares do minimalismo penal.

Por fim, podemos afirmar, que o Estado ao tratar o criminoso de forma desproporcional, perde a legitimidade moral de punir, dando ao criminoso um incentivo a prática delituosa.

f) Princípio da Culpabilidade
Como bem leciona Rogério Greco:

Em uma concepção minimalista, torna-se impossível a intervenção do Direito penal quando a conduta do agente não for passível de censura, vez que, na situação em que se encontrava, não podia ter agido de outro modo”(GRECO, 2010, p.29)

Para Ferrajoli o princípio da culpabilidade na acepção principiológica da palavra, é a proibição de responsabilidade sem dolo ou culpa no Direito penal, proibi-se assim a chamada responsabilidade objetiva do agente, na linha de pensamento do doutrinador seria impossível a responsabilidade penal presumida, societária, solidária, subsidiária, coletiva, etc. (FERRAJOLI, 2006)

g)Princípio da Legalidade

Podemos classificar tal princípio como o alicerce dos demais, uma vez que o legislador ao criar uma norma penal deve atentar-se não somente a legalidade formal, o que diz respeito aos tramites da lei, como também a legalidade material, analisando se a criação de tal figura típica ofende algum princípio da Constituição da Republica seja ele implícito ou explícito.

A lei poderá produzir efeitos se em sua elaboração e em seu conteúdo não ofender normas da nossa carta maior.

Para concluir acerca da proposta minimalista podemos aduzir as lições de Paulo de Souza Queiroz:

Reduzir, pois, tanto quanto seja possível, o marco da intervenção do sistema penal, é uma exigência de racionalidade. Mas é também [...] um imperativo de justiça social. Sim, porque um Estado que se define Democrático de Direito (CF, art. 1°), que declara, como seus fundamentos, a “dignidade da pessoa humana”, a “cidadania”, os “valores sócias do trabalho”, e proclama, como seus objetivos fundamentais, “constituir uma sociedade livre, justa, solidária”, que promete “erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origens, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3°), e assume, assim declaradamente, missão superior em que lhe agigantam as responsabilidades, não pode, nem deve, pretender lançar sobre seus jurisdicionados, prematuramente, esse sistema institucional de violência seletiva, que é o sistema penal, máxime quando é esse Estado, sabidamente, por ação e\ou omissão, em grande parte co-responsável pelas gravíssimas disfunções sócias que sob seu cetro vicejam e pelos dramáticos conflitos que daí derivam. (QUEIROZ, 2001, p.31-32)


Bibliografia

GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio – Uma Visão Minimalista do Direito Penal. 5ed. Niterói: Impetus, 2010.


BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Editora Rideel, 2003.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001

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