quinta-feira, 28 de abril de 2011

Direito Penal Mínimo




O chamado Direito Penal mínimo é uma vertente intermediária do abolicionismo penal e o movimento da lei e ordem.
Podemos dizer que o Direito Penal mínimo se baseia em alguns princípios como bem preconiza Greco em sua obra, os principais deles são: princípio da dignidade da pessoa humana, da intervenção mínima, da lesividade, da adequação social, da proporcionalidade, da culpabilidade e da legalidade (GRECO, 2010).

Tais princípios podem ser explicados da seguinte forma:

a) Princípio da dignidade da pessoa humana
É de extrema importância começar tal análise transcrevendo o artigo primeiro de nossa lei maior:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Podemos observar que o artigo preceitua que o Estado Democrático de Direito possui alguns fundamentos expressos e numerados, entretanto não exaustivos, pois existem outros presentes inclusive na própria constituição.

Nem sempre se vislumbrou na sociedade o chamado Estado Democrático de Direito, esta na verdade foi uma conquista de anos de luta do povo contra os soberanos, na idade média por volta do século XVII, por exemplo, absurdos foram cometidos durante a Santa Inquisição. Pessoas eram condenadas sumariamente, pelo simples fato de “atentarem” contra a Igreja Católica e o Direito Canônico, uma conduta vaga  em que o dono do poder poderia encaixar o fato que achasse conveniente. O réu muitas vezes não sabia nem sequer o motivo pelo qual estava sendo condenado, o processo era realizado sem ampla defesa e sem contraditório, o sistema processual era o denominado inquisitivo, onde não havia a separação de funções processuais de defesa, acusação e julgamento, todas eram concentradas nas mãos de uma só pessoa, o juiz inquisitor.

Naquela época não se pensava em um Estado Democrático de Direito, não se falava em direitos fundamentais da pessoa humana, o soberano dono do poder era quem decidia sem limites o que iria ou não ser considerado um “crime”.

Apenas em 1215 com a Magna Carta cujo nome completo é Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês), do Rei João sem terra (o qual foi coroado Rei da Inglaterra após ausência de seu irmão Ricardo coração de leão que viajou para batalhar na terceira cruzada) é que foram concedidos Direitos aos cidadãos, diga-se de passagem quase que exclusivamente aos nobres, freando o exacerbado punitivismo Estatal.

Com o passar do tempo, com a chegada das idéias iluministas, o povo passou a se manifestar contra a concentração do poder nas mãos de uma só pessoa, assim o chamado terceiro estado se rebelou contra a minoria que detinha o poder, originando a Revolução Francesa no ano de 1789.                                    
                                                                                                                                                                                                                                  
Após a Revolução Francesa temos o período que marca o nascimento do constitucionalismo, o objetivo era fornecer constituições escritas aos Estados, as primeiras constituições escritas foram a dos EUA em 1787 e a Francesa em 1789.

Outra importante conseqüência das revoluções liberais foi o surgimento do Estado de Direito, onde preceituava-se que tanto os governados quanto os governantes deveriam agir dentre os limites legais.

Todavia a idéia foi desvirtuada em muitos momentos históricos, como na Segunda Guerra Mundial, quando vários Judeus foram brutalmente assassinados sem qualquer possibilidade de defesa, era o chamado positivismo (denominado por Jakobs como  funcionalismo sistêmico) , onde pregava-se total obediência a lei, ficava claro que o Estado mais uma vez procurava um inimigo e que no caso eram os Judeus.

Assim, apenas após a Segunda Guerra Mundial é que se passou a falar em Estado Democrático de Direito, onde preconizava-se que os governantes deveriam obedecer as normas e que estas deveriam estar em acordo com os valores da igualdade, liberdade e, principalmente, a dignidade da pessoa humana.


b) Princípio da intervenção mínima
É o princípio que podemos considerar como alma do Direito penal mínimo, aqui se preconiza o sistema penal como “ultima ratio” do Direito, ou seja, o Direito penal só entrará em cena quando os outros ramos do Direito não forem suficientes para a resolução do conflito.

Tal princípio serviria de norteador ao legislador no momento de criar as normas como no momento de revogá-las, a pergunta principal seria, determinado bem jurídico é tão importante a ponto de receber a tutela penal?

Nessa análise podemos também podemos vislumbrar o princípio da ofensividade, ou seja, quando não houver bem jurídico a ser tutelado, não há que se falar em tutela penal, haverá necessidade de uma ameaça concreta de lesão para que entre em ação a repressão penal estatal.

Necessário se faz colocar aqui, também o princípio da insignificância, pois de nada adiantaria aplicar a intervenção mínima apenas no âmbito formal e ignorá-la no caso concreto.

Então devemos fazer uma nova pergunta, havendo uma norma penal protegendo determinado bem jurídico, no caso concreto tal conduta estaria realmente ofendendo tal bem jurídico? Ou seja, apesar de se encaixar na norma penal, tal conduta apresenta risco efetivo ao bem jurídico tutelado pelo legislador? Se a resposta for negativa não se faz necessária a intervenção penal, tornando o fato atípico.
                  
c)Princípio da lesividade
Vislumbramos aqui a necessidade de a norma penal proibir condutas que afetem o bem jurídico de terceiros, ou seja, não poderia o Direito penal entrar na esfera  individual de cada cidadão.

Podemos dizer que a Direito penal não poderia criminalizar, por exemplo, um cidadão que resolvesse viver como mendigo, não cortar o cabelo ou não tomar banho. Deve-se analisar no caso concreto se esta atitude atinge bens jurídicos de terceiros.

d)Princípio da adequação social                  
Aqui analisamos o fenômeno sociológico, ou seja, se uma conduta é perfeitamente tolerada pela sociedade no seu dia-a-dia, seria irracional proibi-la, ainda mais invocando o sistema repressor pátrio de maior violência que é o Direito penal, o que na prática apenas aumentaria a “cifra negra” desacreditando o sistema judiciário como um todo.                       

e)Princípio da proporcionalidade
Podemos vislumbrar neste princípio, que as sanções criminais devem ser proporcionais a gravidade dos delitos praticados, também é denominado doutrinariamente como princípio da vedação de arbítrio.

Como bem assevera Beccaria em sua obra:
[...] para que a pena não seja a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei (BECCARIA,  1999, p.139)
                        
Tal avaliação deve ser feita tanto no âmbito formal pelo legislador como pelo juiz na análise do caso concreto. Trata-se de um dos pilares do minimalismo penal.

Por fim, podemos afirmar, que o Estado ao tratar o criminoso de forma desproporcional, perde a legitimidade moral de punir, dando ao criminoso um incentivo a prática delituosa.

f) Princípio da Culpabilidade
Como bem leciona Rogério Greco:

Em uma concepção minimalista, torna-se impossível a intervenção do Direito penal quando a conduta do agente não for passível de censura, vez que, na situação em que se encontrava, não podia ter agido de outro modo”(GRECO, 2010, p.29)

Para Ferrajoli o princípio da culpabilidade na acepção principiológica da palavra, é a proibição de responsabilidade sem dolo ou culpa no Direito penal, proibi-se assim a chamada responsabilidade objetiva do agente, na linha de pensamento do doutrinador seria impossível a responsabilidade penal presumida, societária, solidária, subsidiária, coletiva, etc. (FERRAJOLI, 2006)

g)Princípio da Legalidade

Podemos classificar tal princípio como o alicerce dos demais, uma vez que o legislador ao criar uma norma penal deve atentar-se não somente a legalidade formal, o que diz respeito aos tramites da lei, como também a legalidade material, analisando se a criação de tal figura típica ofende algum princípio da Constituição da Republica seja ele implícito ou explícito.

A lei poderá produzir efeitos se em sua elaboração e em seu conteúdo não ofender normas da nossa carta maior.

Para concluir acerca da proposta minimalista podemos aduzir as lições de Paulo de Souza Queiroz:

Reduzir, pois, tanto quanto seja possível, o marco da intervenção do sistema penal, é uma exigência de racionalidade. Mas é também [...] um imperativo de justiça social. Sim, porque um Estado que se define Democrático de Direito (CF, art. 1°), que declara, como seus fundamentos, a “dignidade da pessoa humana”, a “cidadania”, os “valores sócias do trabalho”, e proclama, como seus objetivos fundamentais, “constituir uma sociedade livre, justa, solidária”, que promete “erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origens, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3°), e assume, assim declaradamente, missão superior em que lhe agigantam as responsabilidades, não pode, nem deve, pretender lançar sobre seus jurisdicionados, prematuramente, esse sistema institucional de violência seletiva, que é o sistema penal, máxime quando é esse Estado, sabidamente, por ação e\ou omissão, em grande parte co-responsável pelas gravíssimas disfunções sócias que sob seu cetro vicejam e pelos dramáticos conflitos que daí derivam. (QUEIROZ, 2001, p.31-32)


Bibliografia

GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio – Uma Visão Minimalista do Direito Penal. 5ed. Niterói: Impetus, 2010.


BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Editora Rideel, 2003.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001

segunda-feira, 18 de abril de 2011

LEX TERTIA

     

    Primeiramente é de suma importância invocar o código penal que em seu artigo 1º traz o princípio da anterioridade da lei penal, segundo o qual a lei que cria crime e estabelece pena deve ser anterior a conduta que pretende repreender, tal princípio também encontra respaldo constitucional no artigo 5º XXXIX.

Art. 1º do CP - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. 

Art. 5º  XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

    Em uma prévia observação podemos acrescentar que alguns autores usam o princípio da legalidade como gênero que possui 2 espécies, reserva legal e anterioridade, mas aqui trataremos reserva legal como sinônimo de legalidade.
    
    Diante da analise de tal princípio podemos constatar que a regra no direito penal é a do "tempus regit actum", aplicação da lei vigente a época do fato, concluindo-se assim que a lei penal é irretroativa. Porém a Constituição da República trouxe a única exceção em seu artigo 5º XL:

Art. 5 º XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; 

    Sendo assim encontramos duas situações de lei penal retroativa:

----> Abolitio criminis
---->Novatio legis in mellius

    Para nós cabe a analise da segunda espécie, a chamada "novatio legis in mellius", ou seja, uma nova lei que de alguma forma beneficie o réu, como por exemplo uma nova atenuante.

    Depois das considerações preliminares vamos a chamada  "LEX TERTIA", que é uma lei mista, formada a partir de outras 2 leis, tal fenômeno ocorre quando uma nova lei surge no ordenamento com aspectos que prejudicam e outros que beneficiam o réu, como por exemplo na nova lei de drogas:


Lei 6368 de 1976 (lei antiga): 
 Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.


Lei 11343 de 2006 (lei nova):
Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: 

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Podemos observar que a lei nova trouxe uma pena maior para as mesmas condutas descritas na lei anterior, diante de tal premissa podemos concluir que a lei 11343 de 2006 não será aplicada ao agente que praticou uma das condutas descritas na vigência da lei 6368 de 1976, porém a lei nova trouxe uma causa de diminuição que não constava do texto antigo, sendo esse um aspecto favorável ao réu, desde que este seja primário de bons antecedentes que não se dedique à atividade criminosa nem integre ORCRIM (abreviatura utilizada pela doutrina).

Para aqueles que admitem a aplicação da lex tertia a solução é aplicar a pena da lei antiga porém utilizando a causa de diminuição da lei nova.

Outro exemplo está no código de processo penal, aqui o exemplo envolve uma norma híbrida, de direito processual material, estamos falando do artigo 366 do CPP (alterado pela lei 9271 de 1996):


Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312


   A lei antiga não trazia a previsão da suspensão do prazo prescricional (vantagem para o réu) e nem do processo sendo o acusado julgado a revelia (prejuízo ao réu), portanto a lei nova trouxe aspecto bom e aspecto ruim para o réu, para os defensores da lex tertia a solução nesse caso é suspender o processo mas não suspender o prazo prescricional. Vale ressaltar que nesse caso temos o caráter penal material (suspensão da prescrição) e o caráter processual penal (suspensão do processo), sendo assim, a jurisprudência tem entendido que prevalece o aspecto penal material, se este for benéfico retroagirá a lei toda, se este for prejudicial não se aplica a lei toda, nesse caso então o réu que foi citado por edital antes de 1996 e não compareceu será julgado a revelia, afastando a aplicação da lex tertia. 

       Diferente da lei de drogas que tanto o aspecto prejudicial quanto o benéfico são de caráter penal material, e o Supremo tem entendido pela aplicação da teoria abordada (veremos ao final).

       Os críticos da lex tertia dizem que tal teoria não poderá ser aplicada devido a sua inconstitucionalidade, estaria o magistrado usurpando de suas funções invadindo o campo do legislativo, criando uma nova lei, e isso fere o princípio da separação dos três poderes.
   Ainda nesse sentido, seria contrário a sistemática de uma norma "cortá-la" para inseri-la no contexto de outra, isto é, quando um dispositivo está presente em uma lei ele deve ser interpretado em conjunto com ela.

      Já os defensores da lex tertia rebatem dizendo que o juiz não está legislando pois as leis aplicadas foram editadas pelo próprio legislativo, não estria ele criando uma nova lei, além do mais, o juiz deve julgar com eqüidade, isto é, distribuir a melhor justiça para o caso concreto. 
      Para finalizar o exposto gostaria de colocar duas decisões sobre o tema:


AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de Liberdade. Prisão. Causa de diminuição no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76, e já definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado “pequeno traficante”. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido. Voto vencido da Min. Ellen Graice, Relatora original. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. a causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76. (HC nº 95435, Relator(a): Min. ELLEN GRAICE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CESAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21/10/2008, DJe.211 DIVULG 06-11-2008 PUBLIC 07-11-2008 EMENT VOL-02340-04 PP-00691 RT v. 98, n. 880, 2009, p. 479-487).


EMENTAS: 1. AÇÃO PENAL. Condenação. Sentença condenatória. Pena. Individualização. Crime de guarda de substância entorpecente. Delito de mera conduta. Circunstâncias judiciais favoráveis. Quantidade de droga. Elevação da pena-base. Fixação no triplo do mínimo legal. Abuso do poder discricionário do magistrado. Capítulo da sentença anulado. Precedente. Inteligência do art. 59 do CP. No caso de crime de guarda de substância entorpecente, o qual é de mera conduta, não pode a pena-base ser fixada no triplo do mínimo pela só quantidade da droga apreendida. 2. AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de liberdade. Prisão. Causa de diminuição prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76, e já definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado “pequeno traficante”. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76. (HC 97992, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009, DJe-195 DIVULG 15-10-2009 PUBLIC 16-10-2009 EMENT VOL-02378-03 PP-00477).

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Teoria do crime - Evolução da Tipicidade

Ernst Mayer


    Podemos começar coceituando tipicidade: é o juízo de adequação do fato concreto com a norma, com o tipo legal repressivo, como por exemplo, João mata Dani, o fato enquadra-se perfeitamente na norma do artigo 121 do código repressor pátrio, qual seja, " matar alguém". A natureza jurídica da tipicidade é ser elemento do fato típico, sendo assim sem tipicidade o fato será atípico.

    Em um período anterior a Belling, a tipicidade era entendida de forma ampla, abrangia o enquadramento do fato na norma + a antijuridicidade (legitima defesa, estrito cumprimento do dever legal, estado de necessidsade, exercício regular de direito) + culpabilidade + punibilidade + exame de corpo de delito.
    Sendo assim, nessa época se o agente matasse a vítima em  estado de necessidade, não haveria tipicidade, esta teria conotação processual, apenas após a sentença é que se verificava a tipicidade.

    Apartir de 1907 Belling sistematizou uma evolução do conceito de tipicidade, tirando de dentro dela a antijuricidade e a culpabilidade colocando-as como elementos autônomos, a tipicidade ficou apenas como o enquadramento formal do fato na norma. Sendo assim, se João mata Dani em legitima defesa, o fato é típico já que se enquadra perfeitamente no artigo 121 do código penal, para Belling tipicidade é conceito penal e existe tanto na sentença condenatória quanto na absolutória.

    Após Beeling, um outro alemão chamado Mayer aproveitando-se da sistematização feita por seu compatriota, acrescentou 2 elementos ao raciocínio:

1- Dentro da tipicidade devem ser analisados também os elementos normativos do tipo, não apenas os descritivos como sustentava Belling.

2- A tipicidade é um indício de antijuridicidade, quando o fato é típico presume-se a antijuridicidade, sendo assim, cabe ao RÉU provar uma das excludentes de antijuricidade, muito embora sejam elementos autônomos

    Belling aderiu as idéia de Mayer e surgiu então a Teoria da Tipicidade Indiciária, ou seja, tpicidade é o enquadramento do fato nos elementos descritivos e normativos do tipo. Quanto aos elementos subjetivos  (dolo e culpa) essa teoria analisa na culpabilidade.

Hans Welzel


    Por volta de 1930 outro alemão, chamado Hans Welzel idealizou que não haveria sentido estudar a conduta (elemento do fato típico) sem analisar os elementos subjetivos desta, o fim para o qual a conduta é realizada, sendo assim surgiu o chamado finalismo, em que dolo e culpa saem da culpabilidade para serem analisados na tipicidade, sem dolo e sem culpa não há que se falar em tipicidade.




    Atualmente temos como teoria moderna da tipicidade a chamada teoria da tipicidade conglobante, referida teoria foi desenvolvida pelo jurista argentino, membro da suprema corte argentina, Eugenio Raul Zaffaroni, nela abandonamos a clássica divisão do fato tipico em: conduta (aqui inclui-se dolo e culpa desde a teoria finalista de welzel), nexo causal, resultado e tipicidade formal.




    Segundo Zaffaroni o fato típico divide-se em conduta, nexo causal, resultado e tipicidade. Dentro da tipicidade encontramos tipicidade formal (adequação do fato a norma positivada) + TIPICIDADE CONGLOBANTE (aqui encontramos o diferencial da proposta do jurista, dentro da tipicidade conglobante temos a tipicidade material e a conduta antinormativa)
Tipicidade material - é a lesão significativa ao bem juridico tutelado, desta forma não poderíamos considerar nem mesmo tipico, por exemplo, um furto de um batom, tamanha a insignificância da lesão ao patrimônio ( o chamado princípio da bagatela do jurista alemão Claus Roxin ).




    Conduta antinormativa - não poderia o Estado caracterizar como típica uma conduta que ele próprio fomenta ou até mesmo ordena, nesse contexto Zaffaroni desloca o exercício regular de direito e o estrito cumprimento do dever legal, retirando-os das excludentes de ilicitude e os tranformando em excludentes de tipicidade.
ficando da seguinte maneira o estudo do fato tipico:
-Conduta
-Resultado
-Nexo causal
-Tipicidade = Tipicidade Formal + Tipicidade Conglobante ( Tipicidade Material + Conduta Antinormativa)




    Para concluir colocarei alguns precedentes em nossos tribunais no sentido de aplicação da teoria da tipicidade conglobante:


    APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO (ART. 155, § 4º, II DO CP). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - PEQUENO VALOR A 'RES' - IRRELEVÂNCIA - RÉU QUE RESPONDE A OUTRAS AÇÕES PENAIS - DESVALOR DA AÇÃO PREPONDERA AO DO RESULTADO - TIPICIDADE CONGLOBANTE- CONDENAÇÃO -INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA APLICADA. RECURSO PROVIDO. DE OFÍCIO EXTINTA A PUNIBILIDADE. (Apelação número: 5592272/PR; Relator Desembargador : Miguel Pessoa)



  RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROCESSO PENAL. IMPUTAÇÃO DO CRIME DEFINIDO NO ARTIGO 155, §§ 3.º E 4.º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PAGAMENTO INTEGRAL DA DÍVIDA DECORRENTE DA SUPOSTA SUBTRAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. MANIFESTA DÚVIDA SOBRE O DOLO DO RECORRIDO. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL, SEM A QUAL NÃO SE VERIFICA A TIPICIDADE CONGLOBANTE E, PORTANTO, A TIPICIDADE PENAL. DÚVIDA SOBRE A TIPICIDADE DA CONDUTA DO ACUSADO QUE IMPÕE O RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL. Denúncia oferecida em razão da suposta prática do crime definido no artigo 155, §§ 3.º e 4.º, inciso II, do Código Penal. Rejeição. Decisão acertada. Ação que, para a configuração do injusto penal, deve estar orientada a uma finalidade reprovável. Pagamento da dívida decorrente da suposta subtração de energia elétrica que, portanto, instaura dúvida sobre o dolo do recorrido. Princípio da lesividade. Exigência da efetiva afetação ao bem jurídico, sem a qual não se caracteriza a tipicidade material e, portanto, a tipicidade conglobante, que condiciona, a seu turno, a tipicidade penal. Atipicidade da conduta. Indícios de autoria que se resumem ao fato de o recorrido ser o atual proprietário do estabelecimento onde se deu a fraude, porém desde pouquíssimo tempo antes da fiscalização por funcionários da Light. Ausência, pois de justa causa para o exercício da ação penal, que exige, além do juízo de probabilidade da autoria do crime, a certeza sobre sua ocorrência.RECURSO DESPROVIDO. (Processo número 0087015 TJ/RJ ; Relator Desembargador Geraldo Prado)



BIBLIOGRAFIA

NARVAEZ, Helio; Aulas ministradas nos meses de março e abril de 2011; curso FMB

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Redução de direitos fundamentais com apoio no discurso midiático





    Muito se fala nos dias de hoje, sobre o aumento da criminalidade, a mídia em geral busca incansavelmente expor o fato delituoso e o criminoso, promovem discussões grotescas sobre segurança, onde todos querem dar suas opiniões como se especialistas fossem.

    Na maioria das vezes recai sobre o Direito penal e processual penal, a culpa da crescente “onda de crimes” em nossa sociedade, críticas ligadas a um possível excesso de garantias existentes em nosso ordenamento.

    A fim de acabar com as praticas criminosas propõem sempre soluções ligadas a neocriminalização ou neopenalização, ou seja, endurecimento de penas já existentes e criação de novos tipos penais.

    Essa situação trouxe a tona diversas teorias antigarantistas, chamadas de Direito penal máximo ou “movimento lei e ordem”, teorias que propõem uma inflação legislativa, visam mostrar, que o Direito penal surge para resolver todo e qualquer tipo de conflito, tutela penal como “prima ratio”.

    A população movida pelo medo e pela insegurança aceita que tais normas entrem em nosso ordenamento sem resistência alguma, normas sem nenhuma eficácia real, sendo verdadeiro simbolismo penal.

    Os políticos aproveitando-se desta situação usam o discurso de “combate ao crime” para angariar votos, e aos poucos leis extremamente punitivistas vem sendo aprovadas, e nossas garantias fundamentais diminuídas. 

    Tal acontecimento vem sendo chamado de “movimento de lei e ordem”, que baseado no simbolismo penal, procuram através de leis inúteis, transmitir uma falsa idéia de segurança, quando na verdade elas apenas colocam em risco os Direitos de todos cidadãos. 

    O Direito penal não é e nem nunca será a solução para os problemas da sociedade, este deve ser tratado como ultima via de resolução dos problemas, ao contrário, transformaríamos o Estado Social em Estado penal. 

    Muito mais fácil é criar leis que aumentam a pena de um crime, endurecem o cumprimento de pena de outro, ou até mesmo que tipifique uma nova conduta, o difícil é pensar em soluções que possibilitem aos cidadãos uma educação de qualidade, uma alternativa de lazer, enfim, uma vida digna. 

    O Estado aos poucos vai deixando de possuir seu caráter social para se tornar exclusivamente repressor, situação inaceitável uma vez que a constituição de 1988 impõe ao Estado o dever de garantir um mínimo existencial ao individuo.

    Abaixo elencamos algumas normas que ao nosso ver não resistiriam a uma análise de constitucionalidade mais rígida:



    1) Prisão Preventiva: de acordo com o código de processo penal, a prisão preventiva serve para abarcar os crimes mais graves, dito, aqueles punidos com reclusão. Esta é a regra. Excepcionalmente, contudo, a preventiva caberá em crimes dolosos menos expressivos, ou seja, aqueles apenados com detenção, nos seguintes termos:
                                   
Art. 313 - Em qualquer das circunstâncias, previstas no   artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:
I - punidos com reclusão;
II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;
 III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no Art. 64, I do Código Penal  - reforma penal 1984.
 IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência


    Interessa-nos porem analisar a primeira parte do inciso II, mas antes temos que conceituar a expressão “vadio”, conceito o qual foi trazido pelo artigo 59 da lei das contravenções penais (Decreto-lei número 3.688/41) é o seguinte:


Art. 59 - Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita
                       

    Voltando ao código de processo penal, no tocante a primeira parte do inciso II, caso o vadio pratique crime apenado meramente com detenção, e presentes o fumus bone júris e o periculum in mora, admite-se a decretação da preventiva. No pensamento dos ilustres doutrinadores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, tal artigo traz uma possibilidade de tratamento mais áspero não por aquilo que o individuo fez, e sim pelo seu modo de vida, revelando um Direito penal voltado para o autor (Ferrajoli chama tais normas de normas penais constitutivas), e não para a conduta por praticada, numa seleção simples para o cabimento de uma medida tão agressiva quanto a preventiva, não resistindo ao filtro constitucional. (TÁVORA; ALENCAR, 2010).

           
2) Não aplicação do princípio da insignificância para réus reincidentes: em nossos tribunais, muitos são os defensores da não aplicação do princípio da insignificância no tocante a réus reincidentes, ou seja, um tratamento diferenciado para aquele considerado “perigoso”.

Voto vencido Ministro Paulo Gallotti: No caso, mesmo se tratando do furto de um extintor de incêndio, avaliado em R$ 30,00, que foi subtraído do interior de um automóvel, após o arrombamento da porta, não há de se falar em mínima ofensividade da conduta, revelando o comportamento do agente certa periculosidade social e significativo grau de reprovabilidade, inaplicável, dessarte, o princípio da insignificância, destacando a circunstância de ser o recorrido reincidente na prática de crime contra o patrimônio. (REsp. 998.167/RS 01/12/2008.)
                        


    Em relação a aplicação do princípio da insignificância na teoria do crime temos a teoria da tipicidade conglobante de Raul Eugenio Zaffaroni, que vamos explicar de forma simplificada pois ja foi objeto de postagem anterior: O fato típico é com posto de conduta (que abrange dolo e culpa desde o finalismo de Welzel), nexo causal, resultado (resultado material, uma vez que, a teoria naturalística prevaleceu, portanto apenas nos crimes materiais o resultado é exigido) e tipicidade. Esta tipicidade, por sua vez, é composta de dois elementos, a tipicidade formal (enquadramento do caso concreto à norma em abstrato) e a tpicidade conglobante, sendo esta a que nos interessa.


    A tipicidade conglobante segundo Zaffaroni é composta pela conduta antinormativa (o direito penal não pode considerar típica uma conduta que outro ramo do Direito prestigie, por exemplo o estrito cumprimento do dever legal), e pela tipicidade material.

    Tipicidade material na visão do penalista argentino é a lesão significativa ao bem jurídico tutelado, entrando aqui o principio da insignificância, pode-se concluir por essa teoria, que não tendo lesão significativa, esta excluída a tipicidade material, esta por sua vez exclui a tipicidade conglobante, que na sua falta exclui a tipicidade, que é elemento do fatop típico.

    Nesse raciocínio, torna-se impossível a não aplicação do princípio em tela pelo simples fato de reincidência, já que a conduta nem se quer enquadra-se em um fato típico, sendo assim não se analisa elemento algum relacionado a pessoa do réu.

    No sentido da utilização da teoria da tipicidade conglobante já temos precedentes na jurisprudência, como no julgamento do Recurso em Sentido Estrito número 469/RJ, 4 de janeiro de 2010, lembrando-se porem, que na ementa apresentada o réu não era reincidente:


EMENTA OFICIAL: Recurso em sentido estrito. Processo penal. Imputação do crime definido no artigo 155, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código Penal. Rejeição da denúncia. Pagamento integral da dívida decorrente da suposta subtração de energia elétrica. Manifesta dúvida sobre o dolo do recorrido. Princípio da lesividade. Ausência de tipicidade material, sem a qual não se verifica a tipicidade conglobante e, portanto, a tipicidade penal. Dúvida sobre a tipicidade da conduta do acusado que impõe o reconhecimento da ausência de justa causa para o exercício da ação penal.
Denúncia oferecida em razão da suposta prática do crime definido no artigo 155, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código Penal. Rejeição. Decisão acertada. Ação que, para a configuração do injusto penal, deve estar orientada a uma finalidade reprovável. Pagamento da dívida decorrente da suposta subtração de energia elétrica que, portanto, instaura dúvida sobre o dolo do recorrido. Princípio da lesividade. Exigência da efetiva afetação ao bem jurídico, sem a qual não se caracteriza a tipicidade material e, portanto, a tipicidade conglobante, que condiciona, a seu turno, a tipicidade penal. Atipicidade da conduta. Indícios de autoria que se resumem ao fato de o recorrido ser o atual proprietário do estabelecimento onde se deu a fraude, porém desde pouquíssimo tempo antes da fiscalização por funcionários da Light. Ausência, pois de justa causa para o exercício da ação penal, que exige, além do juízo de probabilidade da autoria do crime, a certeza sobre sua ocorrência.” RECURSO DESPROVIDO. (RESE Número 469/RJ, Relator: Desembargador GERALDO PRADO)




    No tocante ao motivo pelo qual alguns doutrinadores e juizes relutam em aplicar o princípio da insignificância para o réu reincidente, o jurista Luiz Flavio Gomes, aponta uma pequena diferença em relação ao princípio da insignificância e o da irrelevância penal do fato, segundo o autor, uma linha jurisprudencial reconhece o princípio da insignificância levando em costa o desvalor do resultado ou da conduta, uma outra linha analisa, além destes elementos, se são favoráveis as circunstâncias judiciais, tais como a culpabilidade, conduta social, personalidade do agente e etc.

    Nessa linha de raciocínio, seria o princípio da insignificância um causa excludente de tipicidade, e a irrelevância da penal uma excludente de pena, em razão de sua desnecessidade no caso concreto, ficando impossível afastar o princípio da insignificância com apoio na periculosidade do agente ou sua reincidência. 

    Ainda em relação a reincidência, vale salientar que os ilustres penalistas Zaffaroni e Ferrajolli são contra qualquer agravamento de pena em virtude de reincidência, por se tratar de notória aplicação de bis in iden (dupla punição pelo mesmo fato).

    3) Regime Disciplinar Diferenciado (RDD): O RDD foi inserido pela Lei nº. 10.792/2003, dando tratamento mais agressivo a determinados indivíduos estereotipados com o rótulo de perigosos, tendo caráter eminentemente neutralizador. O instituto em tela foi colocado na sub-seção “faltas disciplinares” da Lei de execuções penais (lei número 7210/1984, também conhecida como LEP), caracteriza verdadeira sanção disciplinar, tendo cabimento tanto aos presos provisórios quanto definitivos, o artigo 52 traz as características e as possibilidades de inclusão no RDD:

                          
Art. 52 - A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.



    As críticas acerca do instituto são as mais variadas, tanto em razão da utilidade prática de tal instituto, quanto a suas hipóteses de cabimento, aqui nos interessa a análise das hipóteses de cabimento constantes no caput do artigo 52 e nos § § 1º 2º de tal dispositivo.

    Permitir que a inserção em RDD se dê pela prática de crime doloso, materializando falta grave, sem sentença definitiva do delito, fere claramente a presunção de inocência, imagine-se que o agente seja submetido ao RDD, e depois absolvido da imputação pelo crime doloso que autorizou a sanção. Estaríamos diante de verdadeira antecipação de sanção, sem prévio julgamento.

    Vale lembrar que a LEP traz em seu artigo 60, a possibilidade de que o administrador prisional decretar o isolamento preventivo do preso pelo prazo de até 10 dias, antes até mesmo de despacho judicial, caracterizando uma sanção cautelar sem anuência do judiciário, é o que alguns doutrinadores chamam de RDD Cautelar.

    Analisaremos o § 1º com a sábia lição de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, Segundo os doutrinadores, permitir o RDD em razão de o preso representar alto risco para a segurança do estabelecimento prisional ou da sociedade é imputar o ônus da falência do sistema penitenciário exclusivamente ao detento. A indagação que se faz é a seguinte, o que seria esse alto risco? A sanção aqui seria motivada pelo o que o preso representa, e não pelo que ele realmente fez, vemos aqui um verdadeiro Direito penal do autor e não do fato. (TÁVORA, ALENCAR, 2010)

    Os doutrinadores continuam suas criticas passando para o § 2º do dispositivo, segundo estes, a inserção no RDD pelas fundadas suspeitas de participação em organizações criminosa, quadrilha ou bando também merece reparos. Já que os supostos envolvimentos nessas organizações devem ser caracterizados na sentença condenatória, e não em fundadas suspeitas, senão poderemos cair no mesmo problema da primeira parte do caput do artigo 52                                                                                                                                   

    4) Mendicância: apesar de revogada pela Lei n° 11.983 de 2009, a contravenção de mendicância era um dos maiores exemplos de punição do agente pelo seu modo de vida, o legislador deixava claro neste dispositivo, a sua intenção de usar o Direito penal como forma de eliminação de classe social, ou seja, fazia do sistema penal uma maneira de “limpar a sociedade”, possibilitando que setores mais nobres da sociedade não precisassem conviver com a poluição visual causada pelos mendigos:



Mendicância:               
Decreto Lei nº.3688/1941 Artigo. 60 - Mendigar, por ociosidade ou cupidez:
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses.
Parágrafo único - Aumenta-se a pena de um sexto a um terço, se a contravenção é praticada:
a) de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento;
b) mediante simulação de moléstia ou deformidade;
c) em companhia de alienado ou de menor de 18 (dezoito) anos.



    Porém ainda hoje resiste a contravenção de vadiagem (Artigo 59 Decreto Lei nº. 3688/1941), a qual podemos também considerar como clara indicação de um Direito penal voltado para o autor, elegendo como inimigo as classes menos favorecidas economicamente, uma vez que em seu texto o dispositivo traz a expressão: “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência...”, podemos assim concluir que um agente financeiramente privilegiado pode ser vadio, sem que o Direito penal venha lhe punir, enquanto a grande parcela populacional tida como “pobres”, de maneira alguma podem pensar em levar uma vida de vadiagem, pois assim estariam sujeitos a sanção penal (grifo nosso).


     5) Lei da abate de aeronaves: A Lei 9614/1998 trouxe um novo § 2º ao artigo 303 da Lei 7565/1986 e deslocou o antigo § 2º para o § 3º, o texto do referido dispositivo ficou o seguinte:


Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:
I  - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;
II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;
III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;
IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);
V - para averiguação de ilícito.
§ 1° A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.
§ 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.
§ 3° A autoridade mencionada no § 1° responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.



    Vemos nessa lei uma flagrante inconstitucionalidade, no dispositivo o legislador acabou por criar um caso de pena de morte no Brasil fora do permitido pela constituição: Artigo 5° XLVII - não haverá penas de morte: “salvo em caso de guerra declarada”.

    E o pior, esta lei institui a execução extrajudicial, permitindo a condenação e a execução sumária de todos os passageiros de determinado avião, sem que haja ao menos o devido processo legal ou ampla defesa, pelo simples fato de serem considerados perigosos.

    Estaria o legislador definitivamente instalando um permanente Estado de exceção?

    De acordo com o Ministro da Defesa, José Viegas, a lei não se aplica aos aviões militares, mas aos aviões clandestinos civis, nacionais ou estrangeiros, suspeitos do tráfico de drogas e estes poderão ser derrubados, após o descumprimento de nove procedimentos, efetuados pela FAB (força aérea brasileira). O Ministro negou, peremptoriamente, que se trate de uma condenação à morte, sem julgamento, segundo ele trata-se de resistência à prisão e as aeronaves somente serão destruídas se os seus pilotos não obedecerem às ordens dos pilotos da FAB. Além disso, somente os aviões que estivessem transportando drogas seriam derrubados. (LIMA, Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/14654>)

    É um absurdo pensar em tais argumentos, uma vez que, como iria se obter a certeza do transporte de drogas?E se estivessem com drogas, seriam os traficantes os “inimigos” a serem combatidos com procedimentos de guerra?

    Fernando Lima, professor de Direito Constitucional da Unama, rebate tais argumentos da seguinte forma:


Os argumentos seriam ridículos, se não se tratasse de um assunto tão sério, porque seria o mesmo que afirmar que um automóvel cheio de passageiros deveria ser metralhado pelos policiais rodoviários, se o seu motorista não obedecesse à ordem de parar, para o competente exame da documentação, ou até mesmo do porta-malas, em busca de drogas. No entanto, se o motorista tentasse fugir, nem por isso poderia ser morto – o que às vezes acontece, embora não exista, ainda, uma lei autorizando -, porque a fuga, exceto mediante violência contra a pessoa (art. 352 do Código Penal), nem ao menos constitui crime. Aliás, mesmo que a fuga fosse tipificada como crime, não seria, certamente, punida com a pena de morte, proibida pela Constituição e considerada cláusula pétrea, que não pode ser alterada nem mesmo através de emenda constitucional. O Estado tem a obrigação de prender os suspeitos, não podendo matá-los. Evidentemente, poderá ocorrer que, no encalço do delinqüente, a autoridade policial seja obrigada a matá-lo, na hipótese de legítima defesa, caso o criminoso atente contra a vida do policial (art. 25 do Código Penal). (LIMA, Disponível em: <http://www.profpito.com/inabat.html>)


    Podemos concluir dizendo que o legislador Brasileiro muitas vezes introduziu o “inimigo” (sugerido por Jakobs, exposto em postagem anterior) em nosso ordenamento jurídico, e nenhuma destas normas supressoras de Direitos e garantias fundamentais trouxeram resultados práticos.







BIBLIOGRAFIA

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 4 ed. Salvador: Podivin, 2010.


LIMA, Fernando. Inconstitucionalidade da Lei do Abate. Disponível em: <http://www.profpito.com/inabat.html> Acesso em 28 ago. 2010.