terça-feira, 3 de maio de 2011

Societas delinquere potest - Responsabilidade penal das pessoas jurídicas com relação ao texto constitucional


  Para melhor compreensão do tema começaremos a abordagem com uma breve consideração acerca das pessoas jurídicas.

  Para Caio Mário, a necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para atingirem objetivos comuns, sugerem ao ordenamento jurídico equiparar a própria pessoa humana certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais, atribuindo aos entes abstratos personalidade e capacidade de ação.

  Hoje não temos a menor dúvida de que a pessoa jurídica é um sujeito de direito e obrigações, da mesma forma que a pessoa física.

 Com relação a natureza da pessoa jurídica, os doutrinadores enumeram uma longa série de teorias dais quais podemos perceber três tendências:
  
TEORIAS NEGATIVAS.

  Considera que apenas as pessoas naturais seriam capazes de direitos e obrigações, não aceitam a existência da personalidade das organizações.

   Nas palavras do ilustre doutrinador Fausto Martin de Sanctis "Não se concebia uma coletividade orgânica independente dos indivíduos, seus participantes, com personalidade jurídica, pois seus bens reputavam-se de propriedade comum para fruição de seus formadores".


TEORIAS DA FICÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.

   Tais teorias consideram as pessoas jurídicas como uma criação artificial da lei, carecendo de realidade.

   Desenvolvida na Alemanha, essas teorias perduraram por muito tempo.

    A concepção geral da ficção foi desenvolvida por Savigny, que considera que cada direito deve essencialmente pertencer a um ser humano. Porém o legislador na intenção de facilitar determinadas funções concede ao agrupamento de pessoas uma certa autonomia.

TEORIAS DA REALIDADE.

    Os defensores mais conhecidos das teorias da realidade são, Otto Gierke e Ziterlmann, para tais autores a pessoa jurídica indiscutívelmente existe, independente das pessoas naturais que a compõem.

     Contrapondo-se a idéia de Savigny, para quem as pessoas jurídicas só existem ficticiamente, daí a definitividade dos autores da parêmia "Societas delinquere non potest", a teoria defendida por Gierke e Ziterlmann considera que o papel assumido pelos entes coletivos fez com que estes não fossem mais considerados pessoas fictas.

    O escopo dessa teoria é afirmar e demonstrar a real existência de um ente coletivo.

    A tendência da realidade é sem dúvidas a mais adequada e aceita na dourtina, pois pouco a pouco se verificou que na pessoa jurídica há uma vontade superior demonstrando a sua existência independente dos membros que a compõem.




  No que tange a responsabilidade penal da pessoa jurídica, trabalharemos com a tendência da realidade, uma vez que, tanto as teorias negativas quanto as teorias da ficção jurídica não possibilitariam a imputação criminal aos entes coletivos pois não admitem sua existência.

    Iremos agora enumerar as críticas com relação a pessoa jurídica figurar no polo ativo de uma infração penal com enfoque na Constituição da Republica:

---> A primeira crítica em relação ao texto constitucional diz respeito ao artigo 225, que deixaria dúvidas quanto a responsabilização dos entes coletivos se interpretado literalmente:   


§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

   Seguindo a linha de pensamento dos que defendem a irresponsabilidade penal das pessoas jurídicas, faltaria ao texto citado a expressão "respectivamente" depois da palavra "administrativas" havendo, assim, um lapso do constituinte.

    Ainda com relação ao texto constitucional, ao se verificar o disposto no Art. 173 § 5º:

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
    Os adeptos da irresponsabilidade criminal dos entes coletivos argumentam que referida norma ao preceituar a expressão "compatíveis com sua natureza" estaria o texto constitucional criando um óbice para a  imputação criminal da pessoa jurídica.

    Com todo respeito aos doutrinadores que defendem as teses em pauta, tais interpretações ao nosso ver não devem prevalecer, com uma simples leitura, ainda que se proceda uma interpretação sistemática, não podemos chegar a conclusão no sentido de se adotar o preceito "Societas delinquere non potest".

     Antonio Evaristo de Moraes Filho ao proceder uma pesquisa sobre a origem do dispositivo 175 § 5º, na Comissão de Sistematização, descobriu em sua redação original a seguinte frase: "lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos integrantes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade criminal desta".

     Não resta dúvida que a mudança de texto do legislador não significa a exclusão da responsabilidade penal dos entes jurídicos, já que o artigo em apreço manteve a intenção inovadora do legislador constituinte, apenas salientando o óbvio de que algumas sanções criminais não se adequariam a penalisação de um ente jurídico, como é o caso da privação de liberdade.

    No artigo 225 § 3º o texto não deixa margem para interpretação distinta da responsabilização criminal da pessoa jurídica.

    Nas palavras do mestre Fausto de Sanctis: "O legislador constitucional, atento às novas e complexas formas de manifestações sociais, mormente no que toca à criminalidade praticada sob o escudo das pessoas jurídicas, foi ao encontro da têndencia universal da responsabilização criminal".

     Nesse ponto do estudo, cumpre salientar que a Constituição da República não limitou a responsabilização criminal das pessoas jurídicas apenas nos casos de conduta lesiva a ordem econômica e financeira, economia popular e ao meio ambiente. Ao cita-los no texto constitucional o legislador apenas reservou a estes bem jurídicos uma tutela especial, abrindo-se assim precedente para que o legislador infraconstitucional estabeleça se for o caso a responsabilização criminal dos entes coletivos quando estes atentarem contra outros bem jurídicos.      
    

---> A segunda crítica por parte dos adeptos da irresponsabilidade está no artigo 5º:
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
       Referida norma consagra o princípio da personalidade da pena, ou seja, nenhuma pena poderá atingir pessoa que não a do réu, nesse sentido os doutrinadores que não admitem a responsabilização penal da pessoa jurídica argumentam que ao punir o ente coletivo estaria punindo todas as pessoas físicas que fazem parte da sua estrutura, sócios que muitas vezes nem sequer sabiam da conduta delituosa seriam atingidos pela pena, estaria sancionando pessoas inclusive sem dolo ou culpa, o que caracterizaria a responsabilidade penal objetiva que é vedada em nosso ordenamento.

        Tal pensamento não pode prosperar sobre a égide do princípio em apreço, uma vez que, o princípio da personalidade da pena é interpretado de forma relativa, por exemplo, ao prender um pai de família como não dizer que aquela conduta terá reflexos indiretos em sua esposa e seus filhos ? É inegável que Indiretamente a sanção penal sempre acaba atingido pessoas além do condenado. O mesmo raciocínio se encaixa com relação aos entes coletivos, o sócio "inocente" pagará indiretamente pela má administração de sua sociedade, sem qualquer ofensa ao texto constitucional.

         Futuramente iremos abordar a responsabilidade das pessoas jurídicas com base na teoria do crime.




BIBLIOGRAFIA


SANCTIS, Fausto Martin de. Responsabilidade penal das corporações e criminalidade moderna. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009


PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996


MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. Crimes contra a economia popular. In: Direito penal dos negócios. São Pulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 1990

Um comentário:

  1. Achei de péssimo gosto o penúltimo parágrafo, ("Tal pensamento não pode.."), muito sem noção.

    ResponderExcluir